poemaemcontagotas

poemaemcontagotas

Pesquisar este blog

sábado, 6 de fevereiro de 2021

 "Luiza"

Mulheres. Profissionais. Algumas mães. Umas casadas. Outras divorciadas. Homossexuais. Solteiras. Mulheres. Luizas. Atrizes. Potentes. Vivas.

Dizem que toda mulher já sofreu ao menos um tipo de abuso ao longo de sua vida e que muitas se calam essas experiências dentro de si e seguem suas vidas. Não é raro que desenvolvam algum distúrbio psicofísico, mas é comum que muitas não atribuam sua doença a todo esse sentimento e dor caladas no peito. Porém, quando se dão conta acontece uma transformação que fará com que elas jamais aceitem submeter-se novamente a determinados padrões de comportamento e subjugação de sua personalidade. Nada é mais importante que sua dignidade, amor próprio e bem estar e estar consciente disso é algo poderoso.

Julgamento e preconceito de nada servem para acolher uma mulher que sofreu um abuso, seja em qual grau for, até porque todo abuso é grave e deve ser combatido, seja físico, moral, psicológico, verbal, etc. Acontece que muitas vezes nos vemos presas como naqueles sonhos em que tentamos acordar e não conseguimos. Nem sempre temos forças para seguir em frente sozinhas. O enraizamento machista presente em nossa sociedade nos faz ter vergonha, nos faz sentirmos culpadas, falhas, loucas, incapazes, devedoras. É muito triste observar a vida passar como uma espectadora insatisfeita, uma testemunha passiva.

Luiza comunga dessa mistura de mulheres e homens, histórias, sonhos despedaçados e outros sonhados. Essas “Luizas” que se permitiram novos sonhos. E estão vivas para criar novas realidades.  

A singularidade de cada Luiza traz à tona uma verdade da qual não podemos nos desvencilhar: somos fortes. Únicas. Imperfeitas. Dignas.

Quando a miríade de Luizas decide-se faz com que a sua decisão transforme-se em verbo de ação, concretude, realidade. 

Essa reunião de fatos que se tornou a dramaturgia de Luiza torna-se um relicário em que a única finalidade é dizer adeus! Adeus ao que não nos serve mais. Ao que nos machuca. Aos velhos hábitos de auto sabotagem. Adeus à baixa autoestima. Adeus a tudo que nos faz sentirmos inferiores. Esse adeus personifica-se na imagem de Chico, mas poderia ser uma amizade, um trabalho, um vício, qualquer relação ou situação onde haja abuso e desrespeito.

***

Luiza traz uma dramaturgia que costura histórias reais vividas por pessoas muito próximas a mim. O que ligava essas experiências era o fato de que todas as “Luizas” estavam passando ou haviam passado por um relacionamento abusivo e a maioria delas sofreu muito até entender a sua situação e ter forças para mudar a rota. Essa foi a motivação que deu origem ao textos e seus desdobramentos futuros que ainda reverberam. O primeiro deles foi o espetáculo dirigido por mim em 2017 que trazia para a cena duas atrizes interpretando “Luiza” e dois atores interpretando “Chico”. O processo de criação durou um ano e, desde sua estreia, os retornos sempre traziam relatos como “Nossa, me identifiquei. Já vivi isso”. “Acho que estou vivendo isso”. “Tenho uma amiga que...” “Um tio meu era assim” “Me vi em Luiza”.

Quando em 2019 tivemos de dar uma pausa no espetáculo, “Luiza” foi pra gaveta das lembranças, mas como Eco em sua caverna, permaneceu ecoando em mim...

Com a quarentena, a sede de estar no palco está difícil de ser saciada e muitas pessoas tem buscado, assim como eu, meios de se expressar, de conectarem-se com o mundo através da Arte. Andei às voltas com experiências a partir de textos do Heiner Muller, Nelson Rodrigues, Shakespeare até que um dia minha gaveta deu um sobressalto e, de soslaio, vislumbrei Luiza ali escondidinha, louca para sair. A primeira experiência que fiz a partir daí resultou num material em vídeo de quinze minutos que inscrevi em um edital da Secretaria de Cultura de Jundiaí. Amigos e amigas que assistiram ao resultado comentaram: “Poxa, muito bacana ver você como Luiza”, “Por que você não adapta para um solo?” Pronto!!! A ideia não saiu da minha cabeça. Mas como ensaiar um solo nesse momento? Tentei em casa, mas não consegui. As vozes das pessoas que assistiram ao espetáculo e ao meu primeiro vídeo vieram à tona em minha cabeça, novamente a Ninfa Eco me guiando... Convidei amigos atores e amigas atrizes aos quais tenho imensa admiração e pedi que lessem o texto, depois ofereci trechos de “Luiza” e pedi que dessem voz a eles como o corpo e a intuição lhe pedissem... O material criado tornou-se um relicário heterogêneo, um coro de vozes e histórias de vida que desaguaram em Luiza nessa experiência que é buscar o Teatro por meio do vídeo. Enquadramentos e edições à parte, a coisa toda não se finda aí, ela reverbera como as águas de um rio, como os ecos em uma caverna, como a vida que nos reinventa a todo instante.

Dramaturgia, Concepção e Edição: Priscila Modanesi

Atuações de: Aline Samsa, André Farias, Cláudio de Albuquerque, Flávia Thainá, Herberth Vital, José Renato Forner, Lisete Pecoraro, Maíra Rodrigues, Marcial de Asevedo, Marisa Saconi, Priscila Modanesi, Rosana Ferrari, Taline Jovaneli

Confira o trabalho completo nesse vídeo::

https://youtu.be/mJsqYD9OUsI

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021


 

Prelúdios Poéticos

Faço teatro desde a tenra idade de 12, 13 anos. Surgiu de maneira despretensiosa, porque eu era muito tímida e adorava escrever, então na disciplina de Educação Artística tivemos um trabalho que consistia em criar e encenar uma peça de teatro e todos na sala apontaram para mim porque eu era a “menina que escrevia”. Sem saber exatamente o que era o teatro, mas ávida por agradar debrucei-me e escrevi um pequeno texto. A partir daí nunca mais pude me desvencilhar dessa busca pela arte do teatro. E, sem muitos recursos e nem mesmo Internet nessa época, as minhas ferramentas foram os livros e o auxílio dos professores.

No sexto ano, a professora de Língua Portuguesa me emprestou “Hamlet”, do dramaturgo inglês William Shakespeare, com a seguinte frase: “Fique com o livro o tempo que precisar. Você vai ler e talvez não entenda muito agora, mas leia que essa obra será muito importante para você no futuro”. Passei meses às voltas em tentar decorar nomes como “Rosencrantz” ou “Guildestern” e atônita com tudo que lia. Anos depois, estaria na faculdade encenando o próprio Hamlet num exercício de cena.

Assim, de maneira mais intuitiva que técnica, um bando de jovens que, igualmente a mim, gostavam de teatro, passávamos horas ensaiando a mesma cena e eu, claro, nas funções de diretora e dramaturga. Nessa época, já queria algo que, na minha santa ignorância, chamava de “expressão corporal”. Queria desenhar uma cena em que o corpo falasse mais que as palavras, mas não possuía nenhuma ferramenta teórica para explicar isso aos amigos atores. O corpo, naquela época, era objeto de resistência e curiosidade, restrições e conflitos. E, sem meios de concretizar minhas nebulosas inspirações, o máximo que conseguia era colocar uma “dancinha” para abrir as peças que funcionava como um resumo coreografado do que ia acontecer. Essa era a parte que eu mais gostava e a que meus amigos atores mais queriam que fossem tiradas da encenação.

Um certo dia, o vi dançar em cima de uma mesa, com um vestido branco. Chorei. Ele representava ali tudo que eu nunca soube nomear, aquilo que intuitivamente pretendia vir a ser e a fazer.

Ele, Marsial Asevedo, mineiro, ator, discípulo de Renato Cohen, seguidor das fadas e xamã estava naquela mesa, naquela cidade do interior, com a sua dança pessoal, as suas partituras, a sua expressão. Foi ele o meu mestre, quem me apresentou Artaud, Laban, Peter Brook, Maria Callas, Neil Gaiman, Renato Cohen e a Performance Art, Kazuo Ohno e o Butô e Pina Bausch com seu Tanztheater Wuppertal.

Quando entrei com contato com os vídeos do Tanztheater Wuppertal os meus olhos devorarem aquilo tudo e eu repetindo: “é isso!”. É isso! Para nos expressarmos algo tem de nos mover, interna e externamente e, ao ver o trabalho de Pina Bausch, meu mundo inteiro se moveu. E, desde aquele momento, sabia que jamais poderia ignorar a existência desse fato. A partir daí, meu fazer teatral se resume nessa constante busca do corpo e suas possibilidades poéticas e estéticas na cena.

 



quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Crônica de uma amor de Verão ou Sobre como ela fugiu de um possível romance


Era começo de noite numa cidade do interior. Verão quente, muita gente na rua. Na praça, uma banda local tocava clássicos do rock para demarcar a abertura do Festival de Verão. Cheiro de churros, cachorro quente, batata frita. Jovens, crianças, senhores e senhoras.
Dentre tantas pessoas ali presentes, eles se olharam. Ambos bebiam cerveja da mesma marca. Ele se aproximou. Arrumou assunto. Ela sorriu. Respondeu. Momentos depois descobrem que são da mesma cidade. Sem dúvida, uma daquelas coincidências felizes do destino. Ela estava li de férias, com as amigas. Ele, acompanhando o filho e o time de futebol juvenil. Trocaram telefone. Combinaram de se ver noutro dia. Viram-se. Beijaram-se. Combinaram se encontrar na cidade em que moravam. Encontraram-se. Conversa solta. Algumas cervejas. Muitos beijos.
Aparentemente, ele é um desses caras legais. Tranquilo. Idade boa. Uns olhos que faíscam. Educado. Gentil.
A promessa positiva de uma afeição era nítida, mas do nada, ela fugiu. Disse que não queria mais vê-lo. Ele, muito educado, disse que tudo bem, mas que estaria ali caso ela mudasse de ideia. Ele pensou ter feito algo. De fato, não havia feito nada. Para ela, era muito difícil explicar seus motivos sem parecer ser uma moça muito complicada. Então, optara pelo caminho mais fácil: fugir. A questão era conviver com sua consciência e uns apertos furtivos no coração que insistia em querer vê-lo, falar com ele, tentar. Mas, ao mesmo tempo em que esses pensamentos ganhavam força, outro alarme soava: ansiedade, insegurança, medo, relacionamentos passados ainda lhe causavam pânico. Será que aconteceria tudo novamente? E se ela não quisesse mais e ele começasse a persegui-la? Será que ele entenderia que sua prioridade eram os filhos? Que seus horários eram malucos? Que ela se enxerga velha e se sente infeliz com o próprio corpo? O número de inquietações a sufocava. Sim, era melhor fugir.
Um dia lhe disseram que ela estava repetindo os padrões. Queria muito um amor, mas toda vez que alguém surgia, corria que nem diabo da cruz. Ela riu. Depois calou. Seria verdade? E, se fosse, como sair daquele ciclo? A explosão de sentimentos fez com que ela chorasse um pouco. Voltar às lembranças do passado era dolorido. Será que não haveria uma nova chance para ela? Fugiria para sempre?
Procurou no celular o telefone dele. Com receio de fazer contato, afinal ela que havia dito que era melhor não se verem mais. Arriscou um bom dia. Ele respondeu, instantes depois. Rolou conversa. Rolou a possibilidade de um encontro.
Nesse momento, ela escreve umas palavras de incentivo para si mesma. Respira fundo. Foca-se em outras coisas. Ela não tem a mínima ideia sobre o que vai acontecer. Se vai ser bom. Se vai valer a pena. Se vai controlar a ansiedade. Nem tem certeza se foi uma boa ideia marcar o encontro. Olha a dúvida surgindo aí...
Ela vai colocar uma música bem alto astral agora e escrever para umas amigas. Enviar memes. Ver Netflix. Comer chocolate.Chega de pensar. Agora não.


Priscila Modanesi

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Luiza _ ou sobre uma canção que ela nunca soube cantar

em 09 de junho de 2018, o NÚCLEO HÍBRIDO DE PESQUISA CÊNICA, apresenta seu novo espetáculo " Luiza _ ou sobre uma canção que ela nunca soube cantar", no espaço TEATRO ESTRADA, em Indaiatuba, às 20h.
os ingressos já estão à venda no local e custam R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia).
a classificação indicativa é 14 anos


Sinopse

Luiza grava uma série de pequenos vídeos para seu marido, onde relata os motivos que a fizeram tomar a decisão de acabar seu casamento. Sem coragem de encará-lo frente a frente, utiliza esse recurso para dizer tudo que reverbera em seu coração; Enquanto faz as malas, Luiza relembra momentos vividos ao lado de Chico, que transitam entre a alegria e a tristeza, a paixão e a dor, a cumplicidade e a traição. O apartamento vai ficando vazio, mas Luiza mantém-se firme em seu propósito. Mais tarde, Chico chega em casa e recebe algumas mensagens em seu celular... Mas Luiza não estará lá para recebê-lo. Não mais.

Encenação

A pesquisa do espetáculo mergulha em conflitos do relacionamento de Chico e Luiza. Amor, casamento, traição, relações abusivas são temas que perpassam sua trajetória. Para ela, tomar a decisão de fazer as malas e botar o marido pra fora de casa não é simples. Cada camisa dobrada, cada detalhe no apartamento, cheiros que lhe trazem lembranças ... Mas Luiza segue. Decide dar um voto de confiança à sua autoestima e liberdade. E continua arrumando malas... A dramaturgia foi composta a partir da coleta de histórias reais vividas pelos integrantes do grupo e costuradas através das personagens Luiza e Chico. A encenação parte do Teatro Físico e da Dança-Teatro de Pina Bausch como linhas de pesquisa para sua construção. Em cena, dois atores representam Chico e duas atrizes representam Luiza, simbolizando e complementando estados e momentos diferentes de suas vidas.


Ficha Técnica

Dramaturgia e Direção: Priscila Modanesi
Elenco: Cicero Inácio | Geam Marcelo Campos | Taline Jovaneli | Tatá Nascimento
Participação Especial em Off : José Renato Forner
Fotografia: Bruno Pavini | Laerte Aparecido
Colaboração: Cláudio de Albuquerque
Criação de Luz: Lukas Lima
Figurinos: Taline Jovaneli
Cenários, sonoplastia: Priscila Modanesi
Desenhos: Giovanna Pontes
Operação Técnica: Maíra Rodrigues | Lukas Lima
Concepção: Núcleo Híbrido de Pesquisa Cênica
Produção: Cine a Vapor Produções Culturais

teaser


sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Se você se cala diante de uma situação de preconceito, colabora para que ela continue existindo.
Mulheres, sejam corajosas e falem dos abusos que sofrem... e não é só abuso sexual não!!
As mulheres são cobradas diariamente: corpo perfeito, peso ideal, pele macia, cabelo deslumbrante, tem que ser boa mãe, boa amante, inteligente (mas nem tanto assim!).
As mulheres divorciadas e com filhos são, em sua maioria, excluídas do rolê (!). Grande parte dos homens nutre profundo preconceito contra as mulheres nessa situação. Ela pode ser bonita, independente, e ter milhões de outras qualidades, mas não servem!
Homens, não tenham medo dessas mulheres. Elas não estão à procura de um pai para seus filhos. Eles já os tem. Elas precisam de amor, carinho e companhia. Elas precisam de afeto e tem todo direito de recomeçar sua vida. Talvez possuam certas restrições. Talvez suas prioridades estejam depositadas nos filhos... Mas isso não invalida, não elimina, não a tira de combate.
Por que só o homem divorciado e com filhos tem direito de recomeçar? Por que é tão bonito um pai divorciado que fica com seus filhos de fim de semana e uma mãe não?
Essas mulheres são fortes. Passaram por momentos difíceis. Elas provavelmente cuidam da casa, dos filhos, do trabalho, são responsáveis financeiras de uma boa parte dos gastos familiares. Essas mães sentem-se sozinhas como mulheres.

Mulheres, não se calem. Quantas de vocês estão vivendo essa situação nesse momento? E choram caladas com vergonha de expor que também precisam de carinho e atenção? E ficam quietas porque sabem que o pensamento machista vai te destruir? Talvez nós mulheres não tenhamos como mudar esse pensamento, mas podemos deixar claro! Podemos falar! Incomodar. Cutucar. Repensar.

Priscila Modanesi

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Eu mesma

ah... que estranha forma de amar...
e causar dor e mágoa a quem se ama
um peito ferido, sangrando
longe, numa rua sem árvores, sem nuvens
sem música, uma rua fúnebre
onde o amor guardado, machucado, não espera perdão
nem piedade
não pensa em voltar
nem em telefonar
nem ao menos diz olá
esse amor conturbado
mitificado
e antigo
mora ainda no mesmo lugar
porém a geografia mudou
o horário de verão chegou
eu dancei
você dançou
quem de nós é o mesmo?
quem de nós curou-se?
quem de nós deixou a utopia para viver em paz?
não sei, não me peça explicações
só aceite essas palavras
como versos chorosos
como lembrança tardia
como um jeito de te rever
porque algumas almas só encontram meios de amar assim
no instante em que o corpo no precipício
precipita-se...
precisa-se
é preciso
preciso
priscila
modanesi.